terça-feira, 12 de agosto de 2008

Nouvelle Vague parte 4

A Explosão - O efeito "Le Quatrecents Coups"


Se houvesse uma data para o nascimento da Nouvelle Vague, enquanto forma de criar cinema, ela teria de ser 1959. Não que antes os primeiros projetos dos jovens cineastas não tivessem dado todas as pistas para o que viria a seguir. Não que o trabalho nos Cahiers não apontasse já para isto. Mas foi neste ano que os múltiplos talentos viram finalmente os seus trabalhos revolucionar por completo a forma de pensar e fazer cinema.


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Jean Cocteau, François Truffaut, Jean Pierre Leaud e Edward G. Robinson em Cannes


Truffaut sempre foi dos mais irrequietos membros da Nouvelle Vague.
Tinha produzido, escrito e realizado alguns trabalhos nos anos anteriores. Mas a sua primeira longa-metragem de verdadeiro impacto chegaria em 1959. Era uma obra profundamente pessoal, sobre um jovem (que se chamava Antoine Doinel mas que podia (e era) ser
François Truffaut), desadaptado de uma família problemática, desenquadrado do sistema de ensino francês, que encontrava no cinema e na rua, a escapatória para a sua existência. Tinha sido um pouco esta a vida de Truffaut, até este ser resgatado por Bazin para o cinema, e talvez por isso tenham sido poucos os filmes que tivessem exprimido tão bem a poesia da história para imagens. Brilhantemente escrito, notavelmente filmado e com um desempenho inesquecível de Jean Pierre Leaud – ele que para além de ser extremamente parecido fisicamente com Truffaut, iria começar aqui um caminho de glória, tornando-se numa das estrelas da Nouvelle Vague – este filme deu o pontapé de saída para a explosão da Nouvelle Vague.


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Do filme falaremos mais adiante, mas a verdade é que Os Incompreendidos teve um papel importantíssimo para a afirmação da Nouvelle Vague como movimento artístico. Truffaut tinha uma relação conflituosa com o Festival de Cannes. Já o tinha criticado muitas vezes nos seus textos impiedosos dos dias dos Cahiers, e tinha sido mesmo proibido de lá entrar como jornalista no ano anterior. Por isso, quando Jean Cocteau selecionou o filme para representar a França, isso significou uma dupla vitória pessoal para Truffaut. Por um lado desforrava-se de Cannes e do que o Festival representava, habituado que estava a selecionar para competição os habituais filmes com a “Tradição de Qualidade” que ele tanto criticava. E por outro lado, significou que, pela primeira vez, um filme da Nouvelle Vague teria impacto mundial, ao desfilar de igual para igual, com qualquer outro filme, na Croisette. Era a afirmação do jovem cinema de autor independente que dava aqui o seu primeiro passo. A verdade é que o filme não venceu a ambicionada Palma de Ouro. A vitória iria para Orfeu Negro, filme de Marcel Camus rodado no Brasil. Mas receberia uma menção honrosa por parte do júri do certame, e consolidaria desde logo o nome de Truffaut no meio da produção cinematográfica francesa. A verdade é que nunca nenhum filme da Nouvelle Vague venceria em Cannes (Truffaut acabaria por vencer um Oscar, mais tarde, com A Noite Americana), mas pouco importava. Era a idéia subjacente ao movimento que recebia um sinal de aprovação. Isso sim é que era necessário.


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Truffaut e Leaud


Eventualmente Os Incompreendidos tornou-se num êxito estrondoso. Superou em muito os custos do filme, permitindo a Truffaut encher os cofres da sua jovem produtora, dinheiro esse que iria usar não para si, mas para financiar os trabalhos dos seus camaradas. No final do ano, Le Quatrecents Coups tinha conquistado a nomeação ao Oscar de Melhor Argumento Original – algo verdadeiramente inesperado para tudo e todos – e estava no topo das listas de filmes do ano. Fatos interessantes, mas que não são nada comparados com o real impacto que o filme teria nos anos seguintes, pela sua forma solta de filmar. Pela revalorização dos espaços abertos – que tão bem seria explorada por Godard – pela recuperação de imagens-mito do cinema como a foto de Harriet Anderson pelo jovem Doinel, sem esquecer as semelhanças claras com Zero de Conduite, uma clara homenagem a Jean Vigo. Explorar a linguagem cinematográfica do futuro, sempre homenageando o melhor do passado, parecia ser esta a mensagem de Truffaut.


A Explosão - Resnais em Hiroshima


Mas apesar do seu estrondoso sucesso, Truffaut foi apenas o primeiro dos jovens cineastas a brilhar. Aliás, não foi bem o primeiro, já que Le Beau Serge de Claude Chabrol tinha estreado no final de 1958. Mas acabaria por ser o sucesso do filme de Truffaut a revalorizar o próprio filme de estreia de Chabrol junto do público e da crítica, que receberam de braços abertos os trabalhos dos jovens autores.


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Claude Chabrol


O próprio Chabrol tinha já realizado dois filmes nesse ano, Pedido de Divórcio e essencialmente Les Cousins, um belíssimo trabalho capaz de ofuscar muitos dos títulos maiores do movimento.
A verdade é que o público acorreu ás salas para ver os filmes, nunca no mesmo número dos filmes da “indústria”, mas de uma forma que poucos previram. E a critica, desde
Sadoul até aos jornais generalistas de Paris e da província, aplaudiram o novo estilo, extremamente fresco e inovador, que estes jovens pareciam ter.


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No mesmo ano, Alain Resnais volta à carga, desta vez com a sua primeira longa-metragem. O seu notável trabalho desenvolvido nos anos 50 teria agora continuação numa profunda longa-metragem, escrita a meias com a escritora (e também autora de filmes, como o prova Índia) Marguerite Duras, que se tornaria rapidamente num dos ícones do movimento, e, seguramente, num dos filmes mais belos da história do cinema. Hiroshima Meu Amor era tudo o que os filmes anteriores de Resnais tinham e muito mais. Um filme sobre a memória, sobre o esquecimento, sobre o passado, sobre a dor e o amor, tendo como cenário a cidade japonesa de Hiroshima, onde dois amantes relembram os dias tristes da guerra, não só no Japão mas também no norte de França.


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Filmado com extrema sensibilidade, com um tom quase documental no primeiro quarto de hora (influência direta do trabalho de Chris Marker, parceiro inseparável de Resnais então) e com dois desempenhos que se integram no filme como dedos numa luva, Hiroshima Meu Amor rapidamente foi aclamado por tudo e por todos. A Nouvelle Vague manifestava-se de uma outra forma – Resnais foi sempre o mais introspectivo de todos os realizadores, o mais distante do movimento –mas com igual sucesso.
Esta era claramente a prova que faltava. O sucesso total dos primeiros trabalhos, tanto de
Truffaut, como de Chabrol e também de Resnais, acabariam por escancarar todas as portas que teimavam em ficar fechadas. No final de 1959 a Nouvelle Vague estava em “estado de graça”. Ficaria assim até 1963. Até lá, nada mais parecia importar!


continua...

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