terça-feira, 12 de agosto de 2008

Nouvelle Vague parte 11

Filmes Que Marcaram a História : O Ano Passado em Marienbad - A Poesia da Morte e da Vida



Alain Resnais já tinha chegado ao céu com o seu primeiro filme, dois anos antes. Já se tinha assumido como o mais artístico e introspectivo elemento da Nouvelle Vague. Por isso, era mais ou menos acente que o seu segundo filme segui-se o mesmo rumo do primeiro. Mas poucos estavam preparados para uma experiência tão sublime como a que o realizador oferece nesta viagem a um mundo alternativo, um mundo onde vivos e mortos, onde passado e presente, caminham lado a lado, em constante reflexão.


“Ça ce n’est pas important !”


Seria igualmente difícil encontrar um inicio de texto cinematográfico – uma definição de filme que certamente agradaria a Resnais – mais belo que o de Hiroshima Meu Amor. Mas mais uma vez o realizador surpreende-nos ao apresentar uma visita guiada aos corredores do soturno e misterioso castelo de Marienbad, sob uma aura de morte e de contemplação do ser humano.
O Ano Passado em Marienbad é um jogo de ilusões. Um palco de confrontos morais e humanos. O pretexto para mais uma deambulação sobre a essência do comportamento do ser humano. Com uma clara influência do pensamento freudiano, as personagens que caminham, soturnas, silenciosas, pelos corredores do castelo, falando de tudo sem falar de nada, são como peças misteriosas de um sonho sem solução. Como mais tarde fará – numa outra perspectiva é certo,
mas com algumas semelhanças em termos narrativos – David Lynch, aqui a história é sempre um elemento confuso, dificilmente decifrável, e uma desculpa para ensaiar, explorar e imaginar.



São mais uma vez os artifícios narrativos utilizados – o jogo de campo contracampo, os travellings sobre os jardins e sobre os corredores do castelo, a desconstrução da narrativa – que pautam o ritmo do filme. Um ritmo aparentemente morno, sem grande sentido de explosão e sem grandes mudanças – ao contrário de Hiroshima, onde havia, pelo menos, três momentos distintos na narrativa do filme – mas que só ajuda a perseguir a idéia inicial de Resnais. A de ir mais além na busca de uma resposta para o insolúvel. Resnais não é pragmático. É um sonhador. Não é analítico. É contemplativo. Não procura nada forçosamente. Deixa-se levar. E com ele arrasta consigo a câmara, em jogos sublimes de contrastes e introspecções, e com ela traz também o público, que facilmente se deixa apanhar na sua teia, elaborada calmamente e sem despertar suspeitas.



O que se passou realmente no ano passado em Marienbad? A certa altura o que se torna perceptível é imperceptível, incompreendido, imperceptível. O real não interessa. É tudo uma ilusão, uma viagem sem sentido. Talvez não se tenha passado nada e tudo isto tenha sido apenas um sonho. Ou talvez tenha acontecido tudo e nós simplesmente não nos lembramos de nada. Será tudo falso como se parece fazer crer? Ou o que é genuíno já se tornou de tal forma corrente que já cheira a falso?
O silêncio, os longos e misteriosos corredores, as pessoas sem nome e sem cara, os jardins, o quarto, o mistério. A imaginação, a memória, o esquecimento. Afinal, o que se passou no ano passado em Marienbad? Só aquela dimensão perdida no tempo e no espaço, a dimensão a que não damos nome por, nós próprios, já nos termos esquecido que ela existe. Só ela tem a resposta. Ela e a mágica câmara de filmar de
Resnais. Mais ninguém!


O Melhor - Os travellings que percorrem todo o espaço dando-lhe uma aura de maior misticismo e profundidade dramática.

O Pior - A incapacidade dos atores de se soltarem das amarras que lhes foram entregues.

Curiosidade - Este foi o primeiro trabalho de Resnais sem Marker. E foi igualmente o seu ultimo sucesso junto da critica e do publico. Um momento marcante na vida do realizador.

Realizador - Alain Resnais
Elenco - Delphine Serig, Giorgio Albertazi, ...
Duração - 94 m
Classificação - m/12



Filmes Que Marcaram a História : Jules e Jim - Entre Livros e Filmes


A paixão de François Truffaut pela literatura só é superada pelo seu imenso amor pelo cinema. Dessa paixão, desse dupla paixão, nasceu uma forma de fazer cinema muito própria do jovem autor francês. E entre todos os exemplos de cine-livros que Truffaut criou – se excetuarmos As Duas Inglesas e o Amor, um filme muito similar a este onde apenas se passa de dois homens para um mulher, para uma relação de duas mulheres e um homem – Jules e Jim é um dos exemplos máximos.


“Elle est une aparition!”

O filme retrata não só um verdadeiro menage a trois no início do século, como é, ao mesmo tempo, um filme sobre amizade, amor e dúvidas à volta da própria existência humana, numa altura – a afamada Belle Époque e o pós-guerra – em que essa temática estava sobre a mesa. Jules e Jim não é apenas um filme. É primeiro um livro. E o filme respeita isso totalmente. A narração em off da história, desde o primeiro ao último minuto de película mostra claramente que Truffaut quer ser o mais fiel à literatura quando faz cinema. Mas por vezes, são as imagens e os seus jogos que potenciam o diálogo, a narrativa off, o texto literário. E é nesse jogo de cumplicidade entre literatura e cinema que o filme flui, de forma extremamente natural, e completamente cativante.
O trunfo central de
Jules e Jim é essa habilidade de conjugar duas linguagens que apesar de serem diferentes, sempre conviveram desde que o cinema de ficção surge, na primeira década do século XX. Sem aborrecer, sem se perder em apontamentos de exagero literário, e, acima de tudo, sem perder de vista a idéia de que, o que estamos a ver é na realidade um filme, Truffaut molda um trabalho de precisão, extremamente sólido, mas ao mesmo tempo, com verdadeiros rasgos de imaginação.



A pauta sonora composta por George Deleure – um dos maiores compositores da história do cinema e um dos nomes obrigatórios para os autores da Nouvelle Vague – acentua o dramatismo da narrativa literária, mas, ao mesmo tempo, explora ou ajuda a explorar a dimensão cinematográfica de Jules e Jim. Os próprios desempenhos assombrosos de Jeanne Moreau, Henri Serre e Óscar Werner – um dos maiores atores do cinema europeu – não são apenas desempenhos de atores, elementos de um filme, mas também a encarnação viva e de cariz literário das personagens do próprio livro. Quando alguém adapta um livro ao cinema, há a tentação de fazer pequenas alterações para tornar a obra menos literária e mais cinematográfica. Isso passa pelo argumento, pela produção, pelo próprio casting, e acaba irremediavelmente na própria construção do filme pelo realizador. Ora foi exatamente isso que Truffaut criticou no cinema de Tradição de Qualidade francês e é exatamente isso que o realizador não faz em Jules e Jim. Há filme mas acima de tudo há muito do livro no trabalho final. Um trabalho de fidelização a la Truffaut.



Jules e Jim surge diferente de Os Incompreendidos e Atirem No Pianista. Mais denso, mais ousado, mais imaginativo e mais irreverente, este é o filme que prova que o cinema realmente nunca mais será como antes. Pode dizer-se que é a resposta de Truffaut a Godard e ao seu Acossado como Smile foi a resposta dos Beach Boys ao Sargent Peppers dos Beatles. Comparar a música e o cinema é sempre arriscado, mas neste caso serve para mostrar que, na busca de novas linguagens, de novos caminhos, novas áreas a explorar, diferentes autores podem perseguir o mesmo objetivo por diferentes estradas. Truffaut assume aqui qual a estrada que vai percorrer. Um caminho mais classista, mais humanista, com alguma irreverência sim, mas sempre fiel ao cinema clássico que aprendeu a amar, desde sempre.


O Melhor - O desempenho do trio de atores principais.

O Pior - Alguma monotonia na narrativa que poderia ter sido explorada de outra forma através da utilização de outros recursos visuais.

Curiosidade - Oskar Werner voltará a trabalhar com François Truffaut em Fareneith 514, enquanto que Jeanne Moureau fará um cameo em Uma Mulher É Uma Mulher para publicitar este mesmo filme.

Realizador - François Truffaut
Elenco - Jeanne Moureau, Oskar Werner, Henri Serre, ...
Duração - 103 m
Classificação - m/12



Filmes Que Marcaram a História : Uma Mulher É Uma Mulher - Tratado Sobre as Mulheres


Dentro de Jean-Luc Godard há múltiplas facetas que correspondem directamente a diferentes perspectivas que o realizador tem sobre o cinema. Há um Godard contemplativo, um Godard anárquico, um Godard vertoviano. Mas, acima de tudo, há um Godard com uma imensa paixão pela mulher.

“Ques que cet ça ? Comédie ou drame ? C´est comme les femmes. Personne ne sauvais pas !”


Pela sua essência, pelo seu rosto, pelo seu corpo, pelas suas características chaves, que torna ainda mais rica a sua filmografia. E se Viver a Vida é um filme belíssimo sobre uma mulher, este Uma Mulher É Uma Mulher é um filme sobre as mulheres. A figura de Ana Karina – a primeira vez que a atriz “explode” verdadeiramente – é um elemento representativo da comunidade feminina da França de 61. É irreverente, é sensual, é divertida, é obstinada. Sabe que quer algo, mas não parece saber muito bem o quê e como lá chegará. A maternidade é apenas uma desculpa que Godard utiliza para passar à ação. Esta é a sua primeira comédia. Pessoalmente, e apesar de todo o valor da restante filmografia, esta é também a sua obra-prima. Não por ser uma comédia como houve poucas. Não por ter um elenco absolutamente notável, com três verdadeiros ícones da Nouvelle Vague: Karina, Belmondo e Brialy. Mas sim pela genialidade com que Godard brinca com o conceito de filme. O jogo de palavras com os títulos de livros é de um brilhantismo a toda a prova. A narração da história, dentro da história – algo que culminará em O Demônio das Onze Horas – é de uma simplicidade estonteante. Mas é a riqueza de planos, a concepção do espaço (e este é o primeiro filme de Godard filmado essencialmente em estúdio) que apesar de ser interior é filmado como se fosse exterior, ou seja, com uma liberdade de movimento fabuloso. Basta olhar para Brialy a andar de bicicleta dentro de casa, que rapidamente se percebe o recado de Godard. O local onde se filma é menos importante das idéias que se tem para o valorizar ao máximo.



Filme sem falhas, este foi a também o primeiro filme de Godard a cores, algo que o divertirá imenso, graças ás suas imensas potencialidades – que mais uma vez irá explorar por completo nos filmes seguintes – e também o único filme em que Godard dá um pequeno tom de musical, um gênero onde não irá caminhar, por considerar que é demasiado leve para as suas experiências dentro da gramática do cinema, a sua verdadeira paixão. Aliás, um dos tons essenciais deste filme é o de servir de palco para as primeiras experiências do realizador a todos os níveis. Atores a falar diretamente com o público, jogos de cor e de som, elogio do cinema da Nouvelle Vague dentro do próprio filme, uso de inter-titulos na história numa clara alusão à sua paixão pelo mudo, são elementos fundamentais na obra de Godard, e conhecem aqui a luz do dia.



Filme de um sensualismo extremamente natural , é a mulher que é o ponto central da história. E a mulher é Karina. O filme não é feito à volta de Belmondo ou Brialy. É feito sob a perspectiva de uma mulher, esse estranho animal para os homens, que a desejam mas não entendem, e num ritmo extremamente feminino. Mas sempre a la Godard. Não é um filme profundamente reflexivo como será Vivre sa Vie ou O Desprezo. Ainda não é um filme anárquico como O Demônio das Onze Horas ou Bande à part. É acima de tudo um filme que fala de amor, das relações de um casal (e o ponto de comparação com o casal vizinho de Brialy e Karina é soberbo), e do desejo – ou melhor, dos desejos – e do capricho de uma só mulher. Ou melhor, de todas as mulheres. Pelo menos, como as imagina Godard.


O Melhor - Ana Karina, a sua magia e a forma como a camara se apaixona por ela.

O Pior - O habitual umbiguismo da Nouvelle Vague.

Curiosidade - Les Caribiners esteve para ser a segunda longa de Godard. Mas acabou por ser censurada, estreando apenas dois anos depois, fazendo deste filme, a sua segunda obra divulgada.

Realizador - Jean-Luc Godard
Elenco - Ana Karina, Jean-Claude Brialy, Jean Paul Belmondo, ...
Duração - 85 m
Classificação - m/12


continua...

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