quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Escola Soviética de Montagem - 4

O EFEITO KULESHOV – 4º parte


Pois bem, Lev Kuleshov, um dos cineastas do Partido, realizou na década de 20 uma experiência que ficaria na história do cinema como sendo a primeira a comprovar de fato o poder de sugestão que a montagem pode exercer sobre o espectador: filmou-se um plano de um ator com expressão neutra e, posteriormente, esta imagem era alternada com planos de diferentes conotações: uma criança, uma mulher num caixão e um prato de sopa.


Lev Vladimirovich Kuleshov


Ao assistir aos diferentes “filmetes”, a platéia de teste via nuances de interpretação, achava que a face do ator representava a ternura quando em justaposição com a criança, a tristeza ao ver a mulher no caixão e a fome quando em justaposição com o prato de sopa. Essa experiência foi utilizada por todos os russos e foi fundamental para a elaboração das teorias da montagem que vimos aqui hoje. Alfred Hitchcock alude à experiência em seu genial Janela Indiscreta. James Stewart está olhando para um cachorrinho e sua expressão é de inocência; então, nos é apresentado um plano de uma mulher nua e, quando voltamos a Stewart, sua expressão é a de um velho safado!


Stalker (1979)


Pós-Vanguarda

Nas décadas de 1960 e 1970, durante o período do chamado "Degelo", o cineasta Andrei Tarkovsky criou grandes inovações de linguagem e estética em filmes como O Sacrifício”, "Nostalgia", "Stalker", “O Espelho”, "Solaris", "Andrei Rublev", “A Infância de Ivan” e “O Rolo Compressor e o Violinista”.


Andrei Tarkovsky


O filme "A Pequena Vera" fez sucesso nos anos 1980 mostrando o cotidiano dos jovens do interior da URSS, envolvidos com problemas de violência e drogas (principalmente alcoolismo) tanto quanto os ocidentais.

Com a Perestroika e a derrocada do regime soviético, cineastas reacionários como Nikita Mikhalkov ganharam espaço, com produções críticas ao regime, como "Olhos Negros", "Anna dos 6 aos 18" e "O Sol Enganador".


Nikita Mikhalkov


Alexander Sokurov é um destaque no meio cinematográfico por ser um dos poucos diretores que ainda se arriscam inovando e trabalhando com novas linguagens e que apesar disso tem um destaque internacional. Muitos o comparam ao Tarkovsky, sinceramente não me arrisco a enveredar por esse caminho, mas ele ainda assim é um grande diretor.


Anna dos 6 aos 18 (1983)


O Sol de Sokurov é um filme artesanal, retrata os últimos dias de um “deus” encarnado em forma de gente, o imperador japonês Hirohito, também conhecido como Shõwa. Com extrema delicadeza e refinamento do olhar Sokurov recria alguns personagens e cenas marcantes da história do século XX, como o encontro entre o imperador Hirohito e o general MacArthur. O contraste entre o imperador e o general pode ser considerado poético. O ator Issei Ogata, que interpreta o Imperador tem méritos também pela qualidade do filme, sua performance é excelente e o elenco em geral também é muito bom. Esse filme faz parte de uma tetralogia do Sokurov composta pelo filme sobre LêninTaurus”, o filme sobre HitlerMoloch”, o filme sobre HirohitoO Sol” e um último ainda não revelado.


Andrei Rublev (1969)


O diretor russo Aleksandr Sokurov ampliou os limites do cinema com Arca Russa, o primeiro longa-metragem internacional filmado numa única tomada. Centenas de figurantes passaram meses ensaiando para a produção inovadora, que aconteceu em uma tarde, e conduz o espectador para uma viagem histórica pelo famoso museu Hermitage, em São Petersburgo.

O russo Sergei Eisenstein, um dos grandes nomes da história do cinema e teórico refinado, via a montagem como a alma dos filmes. Para ele, o sentido da obra não estava nas cenas, e sim no encadeamento entre elas. Essa idéia ainda vigora. Mas outro russo, Aleksandr Sokurov, decidiu ser do contra. Fez um filme sem montagem, rodado em um único plano-seqüência, uma longa cena sem corte. O resultado desse feito, nunca antes alcançado, é o monumental Arca Russa. São 96 minutos filmados sem interrupções e com mais de 2 mil figurantes.


Solaris (1972)


A sensação de ação é dada apenas pelo movimento da câmera e dos atores em 35 salas do museu L'Hermitage, em São Petersburgo, ex-palácio dos czares, onde os quadros e três décadas da história da Rússia convivem em melancólica harmonia. Perfeccionista, o diretor exigiu que nenhum ruído fosse feito durante a gravação. Marcou as posições dos atores com o rigor de um coreógrafo de balé. Distorções sonoras e visuais foram corrigidas por computador depois da filmagem e o material captado em vídeo foi transposto para película. Foi uma realização épica.

Para cumpri-la, Sokurov - o maior cineasta de seu país no momento e autor de pelo menos duas obras-primas, Mãe e Filho e Moloch - esperou 15 anos. Antes da tecnologia digital, que permite filmar por mais tempo sem cortar, seria impossível a produção de Arca Russa.


O Sol (2005)


Sokurov teve de pedir para fazerem uma alteração em uma câmera digital de alta definição. O aparelho foi amarrado na cintura do diretor de fotografia alemão Tilman Büttner, que se locomovia com o material de 30 quilos sem poder errar. Antes do dia D, em 23 de dezembro de 2001, houve muito ensaio. Oito meses de dedicação exaustiva a cada detalhe. Nos primeiros minutos, ocorreu um erro técnico. Começaram de novo. 'É como saltar de uma torre de 20 metros em um ato de fé', disse Sokurov em entrevista reproduzida no livro sobre sua obra, editado pela Cosac & Naif e organizado por Álvaro Machado. 'Você respira fundo e dá um passo em direção ao vazio, sem saber se vai sobreviver.'



Por que a falta de cortes? 'Para tentar não manipular tanto o olhar do espectador como nos filmes com montagem', disse o cineasta. Sua opção tem, no entanto, outra função. O fluxo contínuo permite a interação entre tempos distintos. São mais de 300 anos de Rússia sintetizados no L'Hermitage, onde celebridades históricas do país, como Pedro, o Grande, convivem com visitantes do presente. Fronteiras cronológicas são rompidas pelo fluxo contínuo.


Moloch (1999)


O diretor é de uma ambição sem medidas. Tateia uma noção de identidade russa em sua empreitada. Ela está dividida entre a tradição eslava e a vontade de ser européia, algo traduzido pela convivência de dois narradores fantasmagóricos. Um é invisível e russo. O outro, visível, é europeu. Ambos andam diante dos quadros como se fossem ectoplasmas perdidos e sem bússola para o futuro. Esses dois guias um tanto confusos ciceroneiam o espectador pelas várias portas abertas de Arca Russa. É um grande filme.


Arca Russa (2002)


Principalmente porque subverte a técnica em benefício de sua proposta. Outros diretores cultivaram planos longos, mas sem chegar a superar certos limites. Alfred Hitchcock fez apenas oito cortes quase imperceptíveis em Festim Diabólico, porque tinha de trocar o negativo a cada dez minutos. Cinéfilos atentos e estudantes de cinema costumam babar pelo plano-seqüência de Eu Sou Cuba, do russo Mikheil Kalatozishvili. Nele, a câmera viaja sobre um prédio, entra em suas dependências, sai pela janela e acompanha, do alto, um enterro pelas ruas de Havana.


Alfred Hitchcock


No Festival de Cannes (2002), pelo menos dois filmes, Kedma, do israelense Amos Gitai, e Ten, do iraniano Abbas Kiarostami, se destacaram pelas cenas longas. Cada um tem apenas uma dezena de interrupções. Arca Russa concorreu no mesmo festival, mas, como não ganhou nada, Sokurov desautorizou o júri. Abusado, disse não admitir que seu trabalho fosse avaliado por uma atriz pornô (referência absurda a Sharon Stone, uma das juradas). O cineasta está na contramão da fragmentação e da velocidade dos filmes atuais. Fez de Arca Russa um clássico - e mostrou por que o cinema é diferente de todas as outras artes. Para a revista Time, fez o segundo melhor filme de 2002.


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