domingo, 26 de outubro de 2008

'Encantado pela Beleza': veja as loiras de Hitchcock


Spellbound by Beauty (Encantado pela Beleza), de Donald Spoto, investiga as tensas relações de Alfred Hitchcock com as loiras geladas que ele adorava. Qualquer leitor vagamente familiarizado com o tema pode adivinhar que a ênfase de Spoto vai ser no cineasta em seu aspecto mais fetichista, e que a pièce de résistance vão ser as bicadas em Tippi Hedren - foto acima - durante as filmagens de Os Pássaros.

Spoto acrescenta mais um tijolo à especulação crítica sobre a ambivalência de Hitchcock com relação a algumas de suas atrizes. Mas há outra relação de amor e ódio aqui: a relação entre o biógrafo e seu tema.

Spoto começou seus estudos sobre Hitchcock com um bem comportado trabalho de hagiografia, The Art of Alfred Hitchcock, em 1976. Ele conduziu várias entrevistas longas e presumivelmente cordiais com Hitchcock enquanto trabalhava no livro. Passados sete anos, depois da morte de Hitchcock, Spoto lançou um retrato mais conturbado, The Dark Side of Genius o lado sombrio do gênio, que lidava com a vida e obra de Hitchcock.

E agora, depois de uma lista longa e aparentemente aleatória de outras biografias sobre indivíduos tão variados quanto Preston Sturges, Elizabeth Taylor e Joana D'Arc, ele voltou ao território que lhe é mais familiar. Criou uma colcha de retalhos que combina análise e relatos pessoais, usando como fonte a impressionante lista de colaboradores de Hitchcock que conheceu ao longo dos anos.

Hedren, por exemplo, contou a Spoto não só sobre seu pesadelo ornitológico ("vocês estão tentando matá-la", perguntou o médico de Hedren durante a sofrida filmagem de em Os Pássaros), mas também sobre a tentativa de Hitchcock de obrigá-la a estar sexualmente disponível para ele, fazendo ameaças de acabar com sua carreira caso ela não cedesse (Ela não cedeu).

Anne Baxter - foto acima, que aparece em A Tortura do Silêncio, disse a Spoto que o diretor a fez se sentir pouco atraente até que ela consentisse em pintar o cabelo para se transformar em uma loira Hitchcock.

Duas questões surgem: Até que ponto recolher esse tipo de material tem valor? E de que maneira ele justifica publicá-lo? A justificativa parece lhe ocorrer com facilidade. Nenhum estudo da obra de Hitchcock pode ignorar os subtextos dos filmes ou os temas frequentemente usados, afirma Spoto. E até o entediado psiquiatra de Psicose conseguiria ver paralelos entre as necessidades privadas do diretor e suas versões correspondentes no cinema. Isso faz com que seu recorrente e metafórico uso de algemas, óculos (a versão moderna de Hitchcock para as máscaras venezianas) e voyeurismo, só para começar, talvez adquira significado biográfico que pode propiciar uma melhor compreensão de seu trabalho.

A ortodoxia crítica sobre Hitchcock é outra justificativa que Spoto invoca para reforçar sua nova investigação. Ele sustenta que nenhuma explicação da carreira do diretor poderia estar completa sem esse lado negro, e que a grande arte não precisa estar ligada a um comportamento angelical (Wagner e Picasso oferecem pontos de referência). E sugere que esse livro seja lido como "uma história cautelar sobre o que pode sair errado em qualquer vida". Afinal de contas, "estamos falando da história de um homem tão infeliz, tão cheio de autodesprezo, tão solitário e sem amigos, que sua satisfação vinha de demonstrar poder, criar fantasias e acumular riquezas. Quando Hitchcock implodiu com Hedren, argumenta o livro, a sede desse tipo de poder abafou a vitalidade criativa de seu trabalho.

"Boa parte de seu comportamento não seria suportada hoje em dia", escreve Spoto, em um livro que apresenta muitas provas para sustentar essa afirmação. "E de fato não deveríamos permitir que ninguém se comporte da maneira que ele se comportava", ele alega. Isso torna Spellbound by Beauty uma ladainha cronológica de histórias sobre as atrizes de Hitchcock, algumas das quais muito mais interessantes que outras. Mas uma das estranhas virtudes do livro é a perseverança de Spoto em descobrir como terminou a vida dessas atrizes. Embora isso acrescente muito pouco ao entendimento da arte de Hitchcock, saber onde Nova Pilbeam (O Homem que Sabia Demais, 1934) estava vivendo placidamente em 2008 atesta a tenacidade de Spoto - e também oferece uma ótima história.

Entre as estrelas mais conhecidas de Hitchcock, aquelas que vão atrair mais interesse, nem todas tiveram um relacionamento conturbado com o cineasta. Algumas, como Joan Fontaine - foto acima - em Rebecca, simplesmente não o interessavam; a atitude de desprezo e as piadas de sacanagem colegiais foram o pior tratamento que receberam. Mas intercaladas com suas pequenas histórias sobre estrelas surge uma afirmação muito mais dura da parte de Spoto: a de que Hitchcock, tão conhecido por sua precisão, podia ser desatento, entediado ou até pior, quando as câmeras rodavam. O livro balanceia de forma estranha impressões conflitantes de Hitchcock em modo obsessivo e em modo distraído, bastante aéreo. Apesar de soar bem picante, Spoto não consegue "e talvez não queira" desafiar realmente a impressão geral da grandeza de Hitchcock.

Algumas de suas protagonistas foram companheiras do diretor. Ingrid Bergman - foto ao lado, "a colaboração mais próxima com uma atriz na carreira de Hitchcock", manteve um relacionamento caloroso com ele, ainda que Hitchcock tenha transformado essa amizade em uma atração juvenil. De qualquer forma, ele sentia um enorme respeito por ela; Hitchcock reservava seu comportamento mais cruel para atrizes menos poderosas e menos propensas a resistir às suas provocações ou suas exigências de maquilagem e figurino.

Outros, e melhores, conhecedores da obra de Hitchcock "especialmente François Truffaut, em sua conversação em forma de livro com o colega cineasta- já dedicaram considerável atenção à perversão mais flagrante nos filmes do autor. Nenhuma interpretação em seus filmes mereceu análises mais exaustivas do que a de Kim Novak em Um Corpo que Cai. Mas ainda assim Spoto desfrutou de acesso considerável às pessoas que trabalharam com Hitchcock, por um período bastante prolongado, e montou um conjunto de impressões em primeira mão que soam, na página, como conversas.

Novak não fala por si mesma no livro. Mas Grace Kelly, Janet Leigh, Eva Marie Saint, Teresa Wright, Hedren e muitas outras heroínas inesquecíveis dos filmes do diretor o fazem.

fonte: The New York Times

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